22 de janeiro de 2022
Antonio Sá da Silva
Os últimos dias foram agitados com notícias do campo das artes: a deportação do tenista número um do mundo da Austrália, Novak Djokovic, por não comprovar vacinação contra Covid-19; a morte da cantora theca, Hana Horka, que se infectou de propósito o vírus por achar que ficaria imune sem se vacinar; a internação em estado grave da atriz Elizângela, que se assumia antivacinas, mas ficou com sequelas da mesma doença; a condenação do jogador Robinho, acusado de estupro; a morte de Elza Soares, cantora brasileira que virou símbolo da causa feminina e dos direitos humanos, etc.; nos bastidores dessa autêntica guerra de linguagens, uma questão antiga foi trazida ao primeiro plano das discussões: existe o tal papel social do artista?
Num conhecido artigo sobre “o estatuto social dos artistas gregos”, a prestigiada classicista portuguesa, Maria Helena da Rocha Pereira, recorre aos testemunhos da literatura, filosofia, arquitetura, oratória, esportes e outras artes, para afirmar que o prestígio que os artistas desfrutam, na sua origem que se deu na era clássica, advinha da crença de que o talento artístico de cada um seria dado diretamente por um deus; até hoje há quem lhes atribua qualidades extraordinárias capazes, por um lado, de nos aconselhar moralmente e politicamente, por outro, de decepcionar seus seguidores quando se revelam um humano qualquer: excelentes para fazerem coisas fantásticas, mas medíocres para compreenderem coisas óbvias que até crianças compreendem, isto para não falar de quando se revelam autênticos mau caráter.
Essa moralização do artista e da obra de arte, entretanto, é uma coisa descabida, pois os deuses gregos são amorais, isto é, “não se importam se vamos viver ou morrer”, tal como disse Homero, diferentemente do Deus hebraico-cristão que nos enviou seu único filho “para que todos tenham vida” (Jo 10, 10); além disto é também uma temeridade e um retrocesso a pelo menos 2.700 anos, já que desde o surgimento da ciência, com os filósofos jônicos, os mitos foram derrubados e seus impostores expulsos de nossas vidas. Como Aristóteles já ensinava, “virtudes éticas” e “virtudes artísticas” não coexistem necessariamente, de modo que Djokovic pode ser excelente como atleta, merecendo nossos aplausos, mas isto não impede que ele fracasse moralmente: como humano, pode ser que avalie mal suas obrigações como cidadão ou fique indiferente em relação a elas, inclusive acreditando que em nome de um suposto direito individual ao próprio corpo, tenha direitos também ao corpo de outras pessoas que sua negligência pode infectar.
No outro lado da disputa, a cantora Elza Soares, assumidamente engajada, defendeu com todas as suas forças uma pauta social de todo conhecida; mas isto aparentemente não acrescenta e nem diminui seu valor artístico e nem é por isto que a história social lembrará dela: a obrigação de vacinar-se, de defender os cientistas do atual orgulho dos estúpidos, de salvar a democracia da “inteligência superior” dos que manifestam contra o direito de se manifestar, etc., vem de exigências civilizatórias, do princípio da proibição do retrocesso em direitos fundamentais; trata-se portanto de uma virtude própria, a da cidadania, que independe de sermos artistas: como o próprio Aristóteles sugere ao afirmar que somos por essência “animais políticos”, “a pessoa que pretende viver só, numa bolha, se conseguir será porque é um deus ou uma mula”.
Feliz é a pessoa que pensa por si e não depende de mitos, deuses e heróis para guiá-la!
Antonio Sá da Silva
Professor e Pesquisador/Direito (UFBA). Doutor e Mestre/Ciências Jurídico-Filosóficas (Universidade de Coimbra). Conferencista e Consultor Jurídico. Advogado.
22/01/2022
Amigo Antonino,
Permita-me parabenizá-lo pela Coluna e por oportunizar mais diversidade de reflexões para todas e todos nós!
Sobre o tema do seu belo texto, também já me deparei com o questionamento sobre o papel social do artista, direcionando-o para a poesia.
Nas minhas reflexões, revisitando a história, inclusive aos próprios ensinamentos de Aristóteles, e permitindo-me processar tudo que sinto na minha vivência dentro da Literatura, entendo que a Arte tem em essência um papel social, porém ela é fruto de seres humanos, os quais, no uso dos seus arbítrios, a conduzem, a corrompem…
Por enxergar a Arte desta maneira, coloco na “conta” das imperfeições humanas, quando sinestesicamente sinto que ela se afasta de seu papel social e, simplesmente, me afasto do/ da artista…
De outras/ outros, como Elza, ainda que dando últimos adeuses, nos aproximamos mais, fazendo seguir a sua Arte.
Abraço,
NL
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