10 de fevereiro de 2018

Antonio Sá da Silva

A “Política” e o “Direito” têm imunidade contra a “Ética”? Ouvindo Lulu Santos e relembrando o velho Heráclito sobre as mudanças que não podemos evitar.

Uma coisa que tem chamado a atenção de quem se interessa por filosofia moral é a coragem com que muita gente tem defendido, publicamente, ideias que pareciam indefensáveis no atual estágio da nossa civilização. Fiquemos somente no Brasil e com um exemplo que tem sido bastante discutido atualmente: o crescimento do número de pessoas que vêm a público protestar contra as políticas de promoção da igualdade e exigir a manutenção de privilégios que acumularam durante séculos. Em princípio nem digo que tal manifestação seja um mal, mas a tentativa de dar a tais bandeiras uma aparência de normalidade é bastante questionável.

“Como uma onda no mar”, para falar hoje com Lulu Santos e no passado com o velho Heráclito, o mundo mudou e tais pessoas nem perceberam: muitos agentes públicos (das três esferas do poder), empresários, líderes religiosos, etc., alguns deles até se fazendo passar por reformadores da moral do mundo, têm sido surpreendidos praticando ações que não são mais moralmente aceitáveis. Mas o mais admirável é que ao serem abordadas, tais pessoas utilizam uma desculpa comum: “os tribunais já decidiram a meu favor”, “fui eleito pelo povo e sou bem avaliado”, “outros também fizeram o que eu faço”, etc. Mas é preciso mil vezes perguntar: a Política e o Direito podem ser juízes de si mesmos, com o poder de encerrar a discussão sobre o que é correto fazer?

Um jurista da Roma antiga, Paulo, ensinava já no seu tempo que uma ação pode ao mesmo tempo ser permitida legalmente e reprovável social e eticamente (non omne quod licet honestum est). Isto quer dizer que o Direito, a Política, a Economia, etc., são experiências valiosas e indispensáveis para nossas vidas; mas, diferentemente do que muitos pensam, não é o Direito que julga a ética, nem a classe política que decide o que é bom fazer, muito menos o mercado que dá a última palavra de como o Estado deve ser governado. A forma de vida que veio antes de tudo, como um farol a iluminar os passos da humanidade, foi a Ética e nasceu da necessidade comum que nós temos de nos proteger das vicissitudes da vida. Claro que estou falando de ética no sentido autêntico e na sua dimensão social: os costumes necessários a uma vida boa para todas as pessoas.

No nosso tempo, o compromisso de cada um, mas, principalmente dos agentes públicos e privados, de lideranças em geral, etc., com uma vida melhor para todos, não combina com uma sociedade assentada em privilégios para alguns e sacrifício para os outros. “O tempo do ‘cala a boca’ já morreu”, como ouvi um dia desses alguém protestar nas redes sociais contra quem quer usar seu poder ou influência para decretar o silêncio dos que reivindicam direitos iguais para todos. Não existe direito adquirido em mandar ou obrigação natural de servir, sendo inevitável que os que se sentem desigualados busquem uma justa reparação; nem mesmo é possível impedir que tal mudança ocorra, pois como disse Heráclito, “ninguém banha duas vezes no mesmo rio”: a cada novo mergulho, a água ganha uma outra forma, nós já não somos os mesmos e já não estamos no mesmo lugar.

Sobre o autor

Antonio Sá da Silva
Professor e Pesquisador/Direito (UFBA). Doutor e Mestre/Ciências Jurídico-Filosóficas (Universidade de Coimbra). Conferencista e Consultor Jurídico. Advogado.

Mário Angelo

10/02/2018

Excelente reflexão, professor. Um passo a frente e já não estaremos no mesmo lugar. Desejo melhoras para todos!

Flávio Soares de Deus 

11/02/2018 

O cidadão, hoje, protesta por direitos igualitários porque passou a enxergar e reclamar dos seus representantes, a responsabilidade ética com que comanda os destinos de uma nação. E, quando esses destinos são controlados em prol de poucos que agem como se fossem propriedades particulares,
fica a indignação e cobrança levando a Justiça a tomar providências. A Justiça trabalha pelo impulso da razão e não da emoção, mas é a sociedade que determina o que é e o que não é ético.

Mateus Silveira

11/02/2018

Ótima reflexão! Vivemos numa sociedade onde, poucos, muitos poucos tem muito, e muitos, muitos mesmos, tem pouco. A desigualdade é imensa em nosso país, onde os privilegiados usufruir muitas das vezes do poder público.
Preconceito e taxação são muitas das vezes apontado há alguns movimentos sociais que buscar mostrar ou alerta a sociedade sobre esse desequilíbrio social existente.

fica a indignação e cobrança levando a Justiça a tomar providências. A Justiça trabalha pelo impulso da razão e não da emoção, mas é a sociedade que determina o que é e o que não é ético.

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