25 de abril de 2021
Antonio Sá da Silva
A mídia nacional e estrangeira repercutiu, desde a última quinta-feira, a falta de empatia entre os atores do STF e entre estes e o auditório, na ocasião em que se julgou o habeas corpus de Lula, no qual a Corte reconheceu a suspeição de Sérgio Moro, suposto autor, roteirista, diretor e protagonista dos processos do ex-Presidente; uma das manchetes destacou que “o espetáculo terminou aos gritos”, outra que “ao fim da sessão se ouviam berros”, enquanto o cartunista Aroeira qualificou o evento como “sessão pipoca”, etc.
A mim chamou a atenção o fato de o ministro Barroso, não suportando a ironia de Gilmar quando sugeriu que o juiz e os procuradores da Lava Jato também eram corruptos, pois violaram nossa lei processual e orientaram-se pelo que na alcova se chamava o “código do Russo”, minimizou a desobediência à lei: bastaria, segundo o ministro que ao tomar posse jurou orientar suas decisões pela Constituição (os juízes e membros do Ministério Público também juram a mesma coisa quando tomam posse!), seguir o “bom senso”.
A exposição das divergências interpretativas entre os augustos magistrados desafia o legislador num porvir que já demora, pois se tal dissenso é da natureza do direito, este papel é da doutrina, não dos tribunais, sob pena de degradar a missão institucional que têm e até comprometer a segurança pessoal dos ministros, tudo agravado com a espetacularização dos julgamentos; mas por ora importa lembrar a falta de foco dos atores naquele julgamento. É que desde Ésquilo, um poeta do séc. V a.C que representou com entusiasmo o julgamento de Orestes, ocorreu uma virada civilizatória na teoria da justiça: a passagem da experiência infindável da vingança privada para o sistema público de justiça, sendo esta a questão que deveria ser esclarecida, isto é, se houve violação da liturgia processual.
O jovem grego foi acusado pelas Erínias, entidades mitológicas sedentas do sangue de transgressores e que inspiraram a criação do Ministério Público, por matar sua mãe para vingar a morte do pai; a deusa Atena, cuja sabedoria inigualável nasceu com ela diretamente do crânio de Zeus, ao ser consultada sobre a culpabilidade de Orestes, deu de presente aos homens o Tribunal; na sessão de abertura, profetizou que o evento nunca seria esquecido por juízes e cidadãos, pois a imparcialidade do julgador (o julgamento conduzido sem qualquer mágoa, interesse pessoal, inveja, etc.) evitava o revanchismo que exterminava famílias inteiras e impunha prejuízos às nações; desde então, abrimos mão de fazer justiça com as nossas próprias mãos e entregarmos nossas queixas para o Estado resolver, mas sem essa tercialidade, a “justiça pública” se corrompe e perde seu sentido de ser.
Foi Tiberius Caruncanius, o primeiro plebeu a presidir o Colègio dos Pontífices, quem alargou a transparência dos julgamentos, institucionalizando sua publicidade; mas o momento epifânico dessa conquista civilizacional foi o iluminismo francês, quando se instituiu o sistema garantista processual: só estamos salvos de juízes intelectualmente despreparados, moralmente duvidosos, politicamente mal intencionados, etc., quando se orientam por uma lei que é pública e subscrita pela comunidade jurídico-política e consentida pelos cidadãos, nunca por suas crenças, ideologias e moralidades pessoais. Seria aquilo que François Ost, na sua polêmica com Ronald Dworkin sobre o perfil do juiz adequado ao nosso tempo, chama de “juiz árbitro”, de resto distinto do “juiz pacificador” que prevaleceu no sistema pré-moderno de justiça; sem poder apreciar criticamente aqui o modelo de “juiz Hermes” que o jurista-filósofo belga contrapõe ao “juiz narrador” que seu colega americano defendeu, digo que a mim parece que a missão do STF era dizer se o dito processo foi conduzido pelo modelo de “juiz árbitro” que tanto Moro como Barroso juraram que seriam.
Cada um de nossos ministros tem histórias de vida que gostariam de nos contar, pode achar que sua versão sobre a Lava Jato é mais interessante que as outras narrativas, mas eu mesmo prefiro ouvi-los mais falando de Direito que ouvir suas pregações sobre Ética, Economia, Estatística, religião ou de coisas outras sobre as quais tenho dúvida de que os juristas saibam o suficiente, mesmo porque nem é para isto que lhes pagamos; de resto, essa coisa de achar que o direito positivado é um somenos, que cada um dos nossos milhares de juízes pode seguir a própria “consciência” do que é certo, não pode resultar em nada bom; chega a ser intelectualmente desonesto afirmar que não nos importamos se um dia, na qualidade de autores ou de réus em um processo, descobrimos que o juiz estava de conversa no escurinho do cinema, combinando o resultado do processo com a outra parte; eu me importo e não gostaria de ser julgado por juízes que apelam para esse tal de “bom senso”, mas deixa qualquer espectador de bom senso na dúvida sobre o que isto venha a ser, quando numa sessão da Corte transmitida ao vivo, portam-se com tamanho destempero.
Antonio Sá da Silva
Professor e Pesquisador/Direito (UFBA). Doutor e Mestre/Ciências Jurídico-Filosóficas (Universidade de Coimbra). Conferencista e Consultor Jurídico. Advogado.
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