09 de novembro de 2017

Antonio Sá da Silva

O que John Lennon depois de meio século ainda pode nos ensinar sobre o caso da Catalunha e sobre a fraternidade entre os povos de todo o mundo?

Quase meio século se vai desde que John Lennon e Yoko Ono oraram, juntos e com a Imagine que todos nós aprendemos a gostar, pela fraternidade entre as nações; um grande especialista em teoria da comunidade universal, George Sabine, diz que a primeira vez no Ocidente em que se tentou colocar em prática esse sonho foi em Opis, no séc. IV a.C, quando Alexandre, O Grande, orou pela união entre persas e macedônios. Hoje a nossa atenção, voltada privilegiadamente para o problema da Catalunha, deveria se ocupar de um problema que não é só da Europa, mas de todo o mundo: uma nação pode prosperar quando seus membros imaginam conhecer a verdade sobre todas as coisas e dispor de todos os recursos para sua felicidade? Por outro lado, qual é o limite que uma comunidade de nações, desejosa de construir uma vida melhor para todos, deve observar para não sufocar a individualidade de seus membros e não embaraçar suas autodeterminações cultural, política, econômica, etc?

Sim, os autores da canção não são os únicos a sonharem com uma fraternidade universal, pois a história da cultura universal foi escrita por esforços sucessivos de administrarmos as nossas diferenças: a censura de Lao-Tsé e Confúcio à turbação da ordem humana natural; o estatuto da diplomacia no Código de Manu; a preocupação do legislador hebraico com a intolerância da qual seu próprio povo foi vítima no Egito; a trégua de Aquiles e Príamo durante o funeral de Heitor; a resposta de Diógenes, o Cínico, de que era um “cidadão do mundo” quando foi interrogado sobre qual era a sua origem; a doutrina da igualdade humana universal, defendida pelos estoicos e especialmente pela humanitas de Cícero; a epístola de Paulo aos Gálatas, prefaciando o sonho que mais tarde se convencionou chamar de res publica cristhiana, a defesa de Santo Agostinho de uma federação de nações, vizinhas e culturalmente parecidas; a monarquia universal de Dante, sugerindo a laicização do Estado para a promover a paz mundial; o De Jure Belli ac Pacis de Grocio, o pai do direito internacional moderno, propondo uma disciplina para a guerra e uma autêntica doutrina para a paz universal; o manifesto de Kant pela paz perpétua; a criação efetiva da Sociedade das Nações e, depois da II Guerra, da ONU e das agências internacionais, etc.

Mas, por qual motivo esse projeto parece não avançar um milímetro, parecendo, às vezes, que continuamos tão rudes quanto Aquiles, antes da trégua arrastando o corpo de Heitor frente às portas de Troia e destilando seu ódio contra a nação inimiga? Não existe uma resposta terminativa para o amor ou para o ódio que certas pessoas (e até grupos sociais) alimentem uns pelos outros. Por vezes os motivos são banais, como a crueldade pura e simples, por outras são mais complexos: desejo de vingar nas gerações futuras os erros das gerações passadas, o egoísmo que faz acreditar que a natureza reservou a alguém em especial a exclusividade dos seus bens; a soberba que alimenta um sentimento de invulnerabilidade contra os revesses da Fortuna; etc. A história universal, no entanto, se não tem exemplos estáveis de amizades internacionais, sobejamente denuncia o fracasso da experiência da guerra.

Os debates atuais entre cosmopolitas e nacionalistas, sobre a construção de um mundo melhor para todos, têm ajudado a mostrar que não existe uma forma superior de vida a ponto de merecer nossa renúncia aos valores que aprendemos a defender desde cedo, daí a necessidade de no mínimo (ainda que a hospitalidade incondicional de Jacques Derrida considere pouco!), cultivarmos a tolerância para com os outros; por outro lado, a interdependência cada vez maior entre os povos reclama a construção de um “mínimo ético”, isto é, um catálogo de obrigações em torno dos quais podemos nos esforçar para defender mutuamente: a gestão dos escassos recursos ambientais; uma renda mínima que garanta a satisfação das necessidades mais básicas de um ser humano; a liberdade de culto; a proteção contra a tortura e o tráfico de pessoas; o combate à corrupção e às drogas ilícitas; etc. A paz da qual John Lennon e Yoko Ono nos falam deve hoje ser pensada não somente como ausência de guerra, mas como falta de condições de uma vida decente e respeitosa para toda a humanidade. Este sonho nunca morre, ainda que a Catalunha deixe de ser Espanha ou que a Palestina um dia volte a ser Israel; se os sonhos morrerem um dia, pela incapacidade de reimaginarmos a nossas vidas, a própria humanidade corre perigo.

Sobre o autor

Antonio Sá da Silva
Professor e Pesquisador/Direito (UFBA). Doutor e Mestre/Ciências Jurídico-Filosóficas (Universidade de Coimbra). Conferencista e Consultor Jurídico. Advogado.

Edson Assis do Amaral

12/11/ 2017

Acredito que o avanço das diversas opiniões sobre a paz universal no momento começa perder espaço para a paz individual. O ser humano é de origem e cultura individualista, o maior problema da humanidade e conviver com esse discurso demagogo de fraternidade, irmandade, socialismo. O ser humano é individualista até ao nascer, raramente se reproduz gemios, não dividimos nem a amamentação com nossos irmãos, como é o caso de uma leitegada ou filhotes de canino . A dificuldade da paz universal durará eternamente enquanto os tratados impostos nas cúpulas de Países detentores do poder econômico sobre os periféricos. O mundo globalizado trouxe a tona o isolamento dos cidadãos através de tecnologias de ponta, mas não aponta uma solução para os prejuízos causados pelo uso inadequado. A luta não é mais por direito nato de sobrevivência, a luta é por direito individual, usa se somente a máscara de paz universal, redução das desigusldades universal, redução da fome no mundo, mas por trás de todo esse discurso existe um espírito de origem pessoal sempre falando mais alto. ” A história de toda sociedade até hoje, tem sido a historia da luta de classe” Karl Marx.
E vai ser sempre história e utopia, a historia da sociedade tem que se tornar uma historia de homens livres, livres para expor pensamentos e emoções independentes de subserviência.

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