Desde Platão, o filósofo que expulsou os poetas de sua cidade ideal, a relação entre literatura, filosofia e justiça é bastante controversa, a mesma coisa se podendo dizer relativamente a outras produções artísticas; o nosso tempo, marcado pela pluralidade e pela diferença, tem suscitado aproximações cada vez mais ambiciosas entre esses saberes, inclusive por parte dos juristas nos campos da teoria do direito, da interpretação jurídica, do ensino jurídico, etc. O diálogo, nada evidente mas bastante plausível, pode ser estimulante desde que nunca feito acriticamente, sendo este o desafio desta República de Leitores ao longo destes anos e cuja produção você está sendo convidado a conhecer e compartilhar.
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Você acredita que um povo armado é um povo mais feliz que aquele que entrega o cuidado da segurança pública a profissionais pagos e bem treinados para prevenir conflitos, investigar crimes, usar armas e punir os que ameaçam a paz das pessoas?
O saudoso Henrique Cláudio de Lima Vaz, jesuíta mineiro que alguns têm como o maior filósofo brasileiro de todos os tempos, numa de suas obras de filosofia da cultura afirma que a única discussão racional sobre a liberdade hoje possível não é sobre ser ela indispensável à nossa existência, mas, sim, sobre o que cada um faz com a mesma.
O baixo nível das eleições deste ano desafia cada um de nós a pensar numa questão que já me incomoda faz algum tempo: o nível de nossos eleitores é assim tão ruim porque nossos partidos são ruins ou nossos partidos são ruins porque nossos eleitores são péssimos?
Os últimos dias foram agitados com notícias do campo das artes: a deportação do tenista número um do mundo da Austrália, Novak Djokovic, por não comprovar vacinação contra Covid-19; a morte da cantora theca, Hana Horka, que se infectou de propósito o vírus por achar que ficaria imune sem se vacinar; a internação em estado grave da atriz Elizângela, que se assumia antivacinas, mas ficou com sequelas da mesma doença; a condenação do jogador Robinho, acusado de estupro; a morte de Elza Soares, cantora brasileira que virou símbolo da causa feminina e dos direitos humanos, etc.; nos bastidores dessa autêntica guerra de linguagens, uma questão antiga foi trazida ao primeiro plano das discussões: existe o tal papel social do artista?
O ministro Alexandre de Morais determinou ontem e o plenário confirmou hoje a prisão de um deputado federal, nos autos da investigação contra ele que tramita no STF, fato que tem gerado demasiada controvérsia.
A Constituição de 1988 reconhece a todas as pessoas o direito de opinarem sobre como a vida deve ser vivida e como o Estado deve ser governado, com um plus a parlamentares e advogados, os quais têm completa imunidade da palavra no exercício de suas funções; trata-se de um alicerce que sustenta as democracias mundo afora.
Vivemos uma era que não somente o acesso à informação foi democratizado, mas, também, surgiram outros tipos de público e cada um de nós pode se tornar um grande comunicador; entretanto, podemos opinar sobre qualquer assunto, inclusive aqueles cuja experiência só se vive na esfera da intimidade, protegidos pela irrepetibilidade?
Já disse nesta coluna e noutros lugares que o romance, a música, o teatro, etc., podem ser grandes aliados na discussão sobre política, direito e outros temas de interesse social; nesta semana a dramaturgia brasileira, admirada no mundo todo inclusive por discutir no horário nobre estas questões, suscitou o debate acerca de um tema que desde os versos homéricos e hesidióticos…
A mídia nacional e estrangeira repercutiu, desde a última quinta-feira, a falta de empatia entre os atores do STF e entre estes e o auditório, na ocasião em que se julgou o habeas corpus de Lula, no qual a Corte reconheceu a suspeição de Sérgio Moro, suposto autor, roteirista, diretor e protagonista dos processos do ex-Presidente; uma das manchetes destacou que “o espetáculo terminou aos gritos”, outra que “ao fim da sessão se ouviam berros”, enquanto o cartunista Aroeira qualificou o evento como “sessão pipoca”, etc.
Não, por isto a opinião pública e os juristas ficaram perplexos com a decisão do Presidente do STJ que mandou Queiroz e sua mulher para casa, não pela sua materialidade (a existência do direito), mas pela forma (a justificativa utilizada) como a decisão foi proferida.
Uma semana de tempestades marítimas mergulhou Antonio, um rico comerciante de Veneza, numa tragédia que liquidou seus negócios e atormentou a sua vida: perdeu toda sua riqueza e não teve como pagar o empréstimo que Shylock, um judeu que emprestava dinheiro a juros, fez a Bassânio com o aval do Mercador; com isto, foi levado ao tribunal e ameaçado de perder uma libra de carne de suas costas, tal como constava do contrato para o caso da dívida não ser paga no prazo. O debate que ocorre no julgamento desse processo nos convida a pensar numa questão que sempre inquietou juristas e filósofos: qual a validade da lei escrita e em que medida a interpretação pode criar direito novo.
Uma coisa que tem chamado a atenção de quem se interessa por filosofia moral é a coragem com que muita gente tem defendido, publicamente, ideias que pareciam indefensáveis no atual estágio da nossa civilização. Fiquemos somente no Brasil e com um exemplo que tem sido bastante discutido atualmente: o crescimento do número de pessoas que vêm a público protestar contra as políticas de promoção da igualdade e exigir a manutenção de privilégios que acumularam durante séculos. Em princípio nem digo que tal manifestação seja um mal, mas a tentativa de dar a tais bandeiras uma aparência de normalidade é bastante questionável.
As festas de fim de ano são celebradas na companhia de quem tivemos a alegria de estar juntos num ano e queremos ficar do seu lado no outro que se inicia; isto é compreensível tanto pela consciência de que não somos tão independentes quanto gostaríamos, como pela própria natureza dos afetos: uma pessoa agradável enche de luz a nossa vida e diminui o fardo da existência. Uma vida realmente próspera depende de amigos verdadeiros, daí que Aristóteles insista, em seu tratado da felicidade, que “o homem que vive só é um deus ou um animal”. O que se passa então com a humanidade que de tempos em tempos parece abrir a “caixa de Pandora” e espalhar a inimizade pelos quatro cantos da terra?
A um partido-alto do Rio de Janeiro, Bezerra da Silva, cuja língua afiadíssima denunciou aos quatro cantos e por muito tempo a conivência do Estado com o crime, talvez venha ocorrer daqui a algum tempo o que se deu com Santo Antônio, o santo português do séc. XIII que se diz ter a língua preservada até hoje e por causa do bom uso que fez dela para denunciar as contravenções de sua época. Mas não sejamos ingênuos a ponto de transformar a ALERJ na “Geni” da nação, pois o problema é muito mais grave do que parece quando alguns que fogem da polícia incendeiam outros para, no meio da fumaça, escaparem com vida.
Quase meio século se vai desde que John Lennon e Yoko Ono oraram, juntos e com a Imagine que todos nós aprendemos a gostar, pela fraternidade entre as nações; um grande especialista em teoria da comunidade universal, George Sabine, diz que a primeira vez no Ocidente em que se tentou colocar em prática esse sonho foi em Opis, no séc. IV a.C, quando Alexandre, O Grande, orou pela união entre persas e macedônios. Hoje a nossa atenção, voltada privilegiadamente para o problema da Catalunha, deveria se ocupar de um problema que não é só da Europa, mas de todo o mundo: uma nação pode prosperar quando seus membros imaginam conhecer a verdade sobre todas as coisas e dispor de todos os recursos para sua felicidade?
O que você acha de obedecer a uma lei ou autoridade manifestamente injustas? Pois saiba desde logo que este é um dos temas mais discutidos na história da filosofia. Sobre ele, por exemplo, Santo Tomás no séc. XII dedicou boa parte de sua teoria da justiça: defendeu que uma lei, emanada de um poder ilegítimo ou que não busque o bem comum, nem pode ser chamada de lei. E não conheço um só tempo que não haja um autor discutindo esse assunto. Mas na tradição ocidental, a questão foi colocada pela primeira vez de maneira sistemática por Sófocles (séc. V a.C), no teatro grego: trata-se de uma peça muito instigante chamada Antígona, nome da protagonista que desafia o rei de Tebas e pelo direito de sepultar o seu irmão.
Muitas são as virtudes atribuídas ao deus mitológico Prometeu, mas vou falar agora só de uma, a do Prometeu apressado. Alguns classicistas dizem que o Protágoras, de Platão, foi o primeiro livro na história do Ocidente a colocar a necessidade e a esboçar um projeto de vida pública; antes dele, prevalecia o entendimento de que o bem-estar humano e da polis dependia, exclusivamente, do arbítrio da natureza e da sorte de cada um. No diálogo, Sócrates apresenta o jovem Hipócrates (o patrono das ciências médicas) ao sofista Protágoras para que o ensine a ser um estadista, mas antes exige a prova de que o conhecimento pode melhorar a vida das pessoas. O famoso professor lhe contou uma história…
Já faz algum tempo que tenho me ocupado com o problema das decisões judiciais, por outras palavras, com a discussão entre os teóricos sobre a possibilidade ou não de um método jurídico que, uma vez adotado pelo juiz, possa justificar a decisão tomada, ainda que a mesma não agrade ao auditório. Nessa pegada é que acompanho, preocupado, um fenômeno que anda ocorrendo com o Judiciário brasileiro e antes visto somente no futebol: a espetacularização das decisões, nas quais, como num Fla x Flu ou num Ba x Vi, duas plateias se opõem e cada um dos espectadores se converte em juiz da partida. Todo mundo, à direita ou à esquerda do gol, clama por justiça, isto é, exige que o juiz entregue a taça ao seu time, mesmo que este abuse das faltas ou esteja estropiado durante o jogo.