Revista da Faculdade de Direito da UFG, ISSN 0101-7187, V. 46, nº 2, p. 1-20, Goiânia, 2022.
O artigo, produzido pelo meu grupo de pesquisa “Teorias da Justiça, do Direito e da Decisão Judicial”, projeto “Escolhas Trágicas e Justiça Poética”, juntamente com meu orientando do mestrado Alisson Alves Santos, analisa uma importante tragédia de Eurípides, “Hécuba”, seu contexto social e político e questões fundantes da ética grega; busca responder à pergunta do autor que ecoa por toda a peça: o julgamento moral e jurídico deve levar em consideração a contingência vivida pelas partes e pelo juiz? As conclusões indicam nossa concordância com aqueles que advogam a necessidade, tanto no Direito como na política, na economia e nos saberes éticos em geral, da garantia a cada pessoa de bens e recursos necessários ao seu bem viver, cuja privação pode macular sua compreensão do mundo e o seu senso de justiça.
In: CHIARABA, Homero; CINTRA, Paula Lobo (Orgs.). Direito em Pesquisa. São Paulo: Max Limonad, 2022, p. 29-49-116. v. 1.
“Não é verdade que este [o senso comum] nos desorientaria, nos faria muitas vezes confundir completamente as mesmas coisas e arrepender-nos em nossas ações e escolhas do grande e do pequeno, ao passo que a arte de medir [a ciência] tornaria impotente essa aparência e, mostrando a verdade, faria com que a nossa alma tivesse sossego ao permanecer firme na verdade, e salvaria nossa vida”? (Platão, Protágoras, 356d). Esta ambição do filósofo grego, exposta neste diálogo que Martha Nussbaum considera o primeiro esboço de uma racionalidade pública na ética ocidental, pode ser criticada de alguma forma, mas é graças a ela que durante a nossa história avançamos na construção de artefatos e práticas humanas que ajudaram a melhorar a vida das pessoas. Na apresentação deste livro, destaco a importância de valorizarmos a pesquisa, trabalho muitas vezes invisível e pouco prestigiado economicamente e socialmente, mas importante sobretudo agora que depois de milênios de avanço das ciências, parcela da população mundial e brasileira tem flertado com o obscurantismo, sugerindo que antes da civilização nós éramos mais felizes.
In: SILVA, Antonio Sá da; LIMA, Efson Batista (Orgs.). Direito em Pesquisa. São Paulo: Max Limonad, 2022, p. 29-46. v. 2.
O presente artigo, escrito com Natanael Nogá de Souza Santana e André Navarro Silva Guedes, membros de meu grupo de pesquisa e meus orientandos no mestrado, propõe analisar alguns aspectos atinentes à relação da vida humana com a Fortuna, a partir do texto latino Satyricon, de Petrônio; especialmente, reflete sobre os riscos que nossos projetos de felicidade estão sujeitos, face às inúmeras contingências enfrentadas pelas personagens da obra estudada, à vulnerabilidade de suas vidas e que parece ser um traço comum da nossa humanidade. Confronta nossas ambições e projetos com os descaminhos que o Destino por vezes nos impõe, permitindo que na adversidade, tanto que um indivíduo virtuoso fracasse como outro medíocre e sem visão triunfe. Recorrendo sobretudo aos aportes teóricos de Aristóteles e de Martha C. Nussbaum, concluiremos que a prudência, diante da vicissitude e da surpresa, pode ser necessária, além de tornar a existência mais completa, nos espaços público e privado.
In: COSTA-NETO, João; QUINTAS, Fábio L.; SILVA, Antonio Sá da. Ensaios sobre filosofia do direito: positivismo jurídico, transconstitucionalismo e teoria do direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022, p. 68-88.
A questão do conflito prático e das escolhas trágicas tem despertado, de forma crescente, a atenção de pesquisadores do direito, da ética, da política e da economia; nos tribunais, embora de um modo ainda incipiente, tem se discutido em que termos um agente pode ilidir sua responsabilidade, alegando circunstâncias que não controla e que sejam diretamente responsáveis pelos fatos que lhe são imputados. O presente trabalho, escrito com Pedro Nabuco Araújo de Oliveira e Welliton da Silva Santos, membros do meu grupo de pesquisa e meus orientandos do mestrado, suscita esse debate ao debruçar sobre uma das tragédias mais importantes do teatro clássico: o Agamenon, de Ésquilo. O objetivo é definir melhor o contexto em que podemos realmente afirmar que se está, de fato, diante de uma decisão trágica, pois a peça ecoa problemas e compreensões do mundo onde o conceito de tragédia foi desenvolvido. A metodologia utilizada será a análise bibliográfica da obra, assim como textos filosóficos e literários, capazes de nos aproximar mais claramente da ideia original dos formuladores destes conceitos.
In: CASALI BAHIA, Saulo José; MARTINS, Carlos Eduardo Behrmann Rátis; PAMPLONA, Rodolfo. Fundamental rights and duties in coronavírus. São Paulo: IASP, 2021, p. 49-69.
The recommendations for social distancing, due to the coronavirus pandemic, reinitiated and even introduced new discussions in all areas of scientific knowledge, including law. It is known that the Brazilian Constitution, as all constitutions in general, guarantees health, as a right for all citizens, and the duty of the State to provide universal healthcare; given the countless controversies that the issue has brought up – even anti-scientific crusades within its limits – a question needs to be answered: is there any foundation that can be considered before the legislator’s will to protect, or not, the right to healthcare, keeping him/her from revoking, on a whim, or any other reason, this universally established fundamental right? The following text deals with this question, assuming the hypothesis of a moral command which is in the beginning of the Western civilization: the duty of friendship and the care for people in times of misfortune. The methodology is an interdisciplinary analysis between Law and Literature (Law as Literature), questionable but current, using, in this case, Sophocles’ Philoctetes, a Greek tragedy that denounces our vulnerability while facing the arbitrary power of natural agents, as well as bringing up an ethical issue seriously discussed by Plato and Aristotle: what can we do to prevent or, at least, reduce the effect of misfortune and make our happiness projects successful, in a world we cannot fully control and where the future cannot be predicted? The expected result will be a better understanding of some possible links between the tragic event described in the literary work and the narratives of the pandemic, since doubts can be raised as to whether the situation we are going through is, in fact, inevitable. It will also be an important response to guide lawyers on the evaluation of related actions regarding this problem”.
Coordenação científica: Antonio Sá da Silva, Wilson Alves de Souza; Programa de Pós-Graduação em Direito. – Salvador: Editora 2 de Julho, 2021. 49p.
O evento surgiu da necessidade de articular diferentes componentes curriculares (Filosofia do Direito, Hermenêutica Jurídica, Ética Jurídica, Teoria do Direito e Direito Processual Civil), da graduação e da pós-graduação, para uma reflexão filosófico-jurídica sobre os desafios atuais da pandemia do coronavírus; o objetivo foi reunir diferentes especialistas, de diferentes países e compreensões teóricas, para uma discussão plural e capaz de atender tanto as expectativas do público acadêmico (alunos, professores, pesquisadores etc.) como dos juristas práticos que no cotidiano do foro têm enfrentado dificuldades de abordar a questão; organizado pelos grupos de pesquisa “Teorias da Justiça, do Direito e da Decisão Judicial” e “Acesso à Justiça”, registrados no CNPq e sediados na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, Brasil, o evento contou com palestrantes e pesquisadores do Brasil, Portugal, Uruguai, Alemanha, Marrocos e Cabo Verde, além de uma surpreendente participação do público destes e de vários outros países.
In: CHIARABA, Homero et alii. Altos estudos jurídicos: o direito em nosso tempo. São Paulo: Max Limonard, 2021, p. 60-80.
Quando Euclides da Cunha mergulhou no sertão da Bahia, numa missão jornalística que acompanhou a repressão do Exército à insurreição social comandada por Antonio Conselheiro, foi acometido de um forte estranhamento: aquele era um outro Brasil, sequer imaginado por um jovem citadino como ele, instruído nos ideais positivistas de seu tempo. O poeta-repórter denunciava, já no limiar do “novo regime”, o divórcio entre os princípios da república e a Guerra de Canudos: o sertanejo nunca estivera e continuava a não estar no mapa das políticas estratégicas do governo. Decorridos 120 anos do episódio e 30 anos da Constituição Cidadã de 1988, o abismo social que separa as condições de vida do campo e da cidade continua a existir; se é verdade que a precariedade das condições de trabalho não se restringe à atividade rural, importa reconhecer que ali os direitos sociais têm uma eficácia menor do que ocorre na cidade: é o que se passa na proteção ao trabalho, no acesso à saúde e à educação, na atenção das políticas de desenvolvimento etc. As legislações trabalhista e previdenciária, inclusive, têm sido fragilizadas nos últimos tempos a ponto de se admitir, explicitamente, uma discriminação negativa para o homem do campo. Sendo assim, o objetivo de nossa pesquisa, escrito com Bernardo Nogueira, é chamar a atenção para a urgência de tornar efetivos os ideais da república e da Constituição, no sentido de promover o desenvolvimento social e econômico da atividade rural. A metodologia adotada, para além da análise de dados sobre a precariedade dos direitos sociais no campo, aproveita o recurso interdisciplinar do Direito e Literatura (Literature as Law) no sentido em que Martha C. Nussbaum tem estimulado a fazer: os poetas são os melhores árbitros da vida pública, visto que por meio da imaginação (narrative imagination), levam-nos a pensar outros mundos (como Euclides da Cunha faz) possíveis. Mais do que a dimensão estética que lhe é própria, a Literatura tem um alcance crítico que outros saberes não têm, como a autora americana afirma, constituindo aqui uma oportunidade de atualizarmos o relato-testemunho euclidiano que continua a desafiar nossa “república de leitores”.
ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura, ISSN 2446-8088, v. 6, n. 2, jul./dez., p. 529-547, Porto Alegre, 2020.
In contemporary moral philosophy, a common topic of discussion is the accentuation of plurality and difference. This is the opposite of what happened during the Enlightened Modernity, when equality and universality were ensured. The confrontation of these two views generates a frequent and challenging issue: the suffering caused by the invisibility of moral beings when their idea of happiness socially fails. To be invisible is to feel the way the character Fabiano felt when facing the yellow soldier, in the metaphor and with the characters created by Graciliano Ramos to criticize the absence of inclusive politics and of dignity promotion for the people living in the Sertão hinterlands in Northeastern Brazil. It means to be denied of the recognition, as a person, of what one believes to be an excellent life. This paper challenges us to reflect on that, with the main objective of finding, in such multicultural times, new perspectives to understand Human Rights. We develop a bibliographic review, firstly based on Sen and Nussbaum (two authors that criticize the modern contractualism and its conception of justice), in dialogue with the capabilities approach. Then, we seek in the Brazilian novel Vidas Secas (published in English as Barren Lives) for the most privileged inspiration for this reflection. The methodology used highlights a bibliographic, interdisciplinary analysis of Law, Literature, and Philosophy, with the suggestion of a new perspective of legal learning.
Revista Latino-Americana de Direitos da Natureza e dos Animais, ISSN 2676-0150, v. 3, n. 1, p. 9-24, Salvador, 2020.
O objetivo deste estudo é refletir sobre uma específica forma de vida humana onde a relação com os outros animais, visivelmente orientada por um nobre sentimento de justiça, aparentemente não configura uma autêntica relação jurídica, embora lhes ofereça um estatuto moral: a vida boa humana que tem lugar no cosmo normativo do sertão brasileiro, nomeadamente aquele que me atrevo a denominar de uma ética do trabalho rural, fortemente violentada pela tecnociência e pela urbanização que dilacera atualmente a vida no campo. A metodologia utilizada foi a análise do texto narrativo sobre a forma de vida do sertão, ouvindo privilegiadamente a literatura oral (cordéis, música caipira, causos, etc.), dada sua maior proximidade com o cotidiano do trabalho rural; discutirei também alguns textos da filosofia jurídica e do direito romano, os quais nos reportam ao contexto de emergência de uma praxis especificamente jurídica e de sua emancipação de outras práticas normativas. A conclusão a que se chega, inclusive pelo estímulo de compreender melhor as fronteiras entre a ética, o direito e a justiça, foi que o discurso narrativo dos poetas do sertão brasileiro nos sugere algo mais promissor para a relação entre animais humanos e não humanos que a doutrina animalista pode oferecer: desembaraçando-se da controvertida discussão sobre a racionalidade ou sentimentos dos animais não humanos, desobrigando-se de ouvir os apelos enganosos ao estatuto da igualdade, libertando-se dos limites obrigacionais que a experiência jurídica impõe… a praxis sertaneja se orienta por um estatuto normativo cuja natureza é moral e não jurídica. A eticidade aqui sugerida se funda, sobretudo, no reconhecimento humano da mortalidade que é a única coisa que nos iguala aos animais não humanos, assim como numa concepção da vida boa que se por um lado nos responsabiliza pelo todo que constitui o habitat do sertão, por outro reconhece a especificamente da vida humana, inclusive, no limite, a possibilidade de fazermos o que fazem os animais não humanos na defesa da própria vida e cujo esquecimento, refletida na pretensão de se elevar acima deles, aparentemente constitui uma outra forma de antropocentrismo.
Revista Parajás, ISSN 2595-5985, v. 3, nº 2, p. 123-163, Montes Claros, 2020.
A qualidade de vida e a sobrevivência humana dependem das escolhas que faremos quanto ao ambiente que partilhamos com as outras criaturas; trata-se de um sentimento profundamente enraizado na consciência social, mesmo não havendo consenso de como devemos proceder. Mais que de um corpus jurídico-normativo, precisamos de um ethos humanitário, à altura de nossos compromissos com a memória, o presente e o futuro das gerações. Assim, o objetivo deste trabalho, escrito com Júnia Kacenelenbogen Guimarães e Paulo James de Oliveira, será abordar de forma introdutória os fundamentos filosóficos e jurídicos para a aplicação, no Brasil, do “princípio da interpretação mais protetiva” do ambiente, a partir da teoria interpretativa de Ronald Dworkin. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, embora algumas referências à legislação e à jurisprudência tenham sido feitas, somente para mostrar que esta preocupação não é só nossa, mas ecoa de algum modo na comunidade jurídica. Os resultados obtidos foram que a “interpretação conceitual”, defendida com ardor intelectual na última obra do autor, orienta bem como interpretar a canonística ambiental, coerentemente com o ideal de uma vida sustentável. Esperamos que o estudo ofereça algumas pistas, no sentido de enfrentar as disputas legislativas e a caoticidade interpretativa que há no Brasil, dois inimigos da sustentabilidade que o juiz Hércules de Dworkin nos ajuda a derrotar.
Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, ISSN 0303-9773, v. XCVI, tomo I, p. 291-527, Coimbra, 2020.
Já invocadas com alguma frequência nos tribunais, as escolhas trágicas tendem a ser cada vez mais discutidas, visto ser uma das questões mais desafiadoras da atualidade na jurisprudência, na hermenêutica e na filosofia. Há cerca de quarenta anos uma importante publicação, de Calabresi e Bobbitt, despertou grande interesse na filosofia prática ao apontar a escassez de recursos como um fato que sujeita o agente moral a poderosos dilemas decisórios; o argumento econômico não precisa ser repudiado inteiramente como querem alguns teóricos atuais, todavia, atrevo-me a dizer que o desafio da decisão tanto jurídica como administrativa é agora outro mais difícil de ser resolvido: sendo nosso tempo aquele que celebra a pluralidade e a diferença, contingência moral e política essa que reduziu pretensões filosóficas de universalidade e tornou muitos bens incomensuráveis, como podemos justificar nossas escolhas perante alguém que possui outra concepção da felicidade ou o que podemos fazer quando uma escolha nossa implicar na renúncia de outros bens igualmente valorosos para nós? Considerando que as dicotomias certo e errado, moral e imoral, justo e injusto, etc., podem ser insuficientes, por exemplo, para justificar uma decisão; considerando que a ausência de uma regra universal de juízo exporia Abraão ao remorso, qualquer que fosse o bem que escolhesse dentre as duas alternativas de que dispunha… este trabalho visa discutir quais os critérios que julgadores, advogados, consultores, etc., utilizam para saber se a conduta que discutem foi deliberada o suficiente para que seu agente responda pela decisão que tomou (se o julgador está diante de uma “questão jurídica”) ou se tal conduta foi praticada sob algum constrangimento que justifica desonerar tal agente de qualquer responsabilidade pelo ocorrido (se a discussão gira em torno de uma “questão trágica”); mas esta pesquisa nos interroga também se constatada a vulnerabilidade do agente ao praticar a ação, experiência trágica que antes de tudo resulta na declaração pelo julgador de que o autor não agiu livremente, o julgador tem a obrigação de promover as capacidades humanas desse agente violentadas pelo infortúnio e sob qual fundamento, visando reparar uma tal desdita. Deste modo o presente trabalho, de natureza bibliográfica, privilegiará a discussão com A. Castanheira Neves e com Martha C. Nussbaum para confrontar questão trágica e questão jurídica, no primeiro caso adotando como marco teórico a doutrina dos juristas romanos que original e exitosamente distinguiu a praxis jurídica das demais já secularizadas por Aristóteles, no segundo ouvindo os poetas gregos e latinos cujo gênio criativo representou no teatro as situações mais exemplares onde o herói trágico se expõe à arbitrariedade de seu Destino. Conclui-se ao final que se a situação atual, de pluralidade e de diferença, aumenta a exposição dos agentes a conflitos práticos racionalmente sustentáveis, a doutrina e a jurisprudência, não obstante alguns esforços na criação de critérios para solucionar casos difíceis que vêm sendo suscitados, precisam distinguir claramente as duas questões, seja para não imputar injustamente ao agente uma responsabilidade quando atuou sob o poder da Fortuna, seja para evitar o uso indevido desse argumento para exonerar o agente da responsabilidade pelas próprias escolhas.
ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura, ISSN 2446-8088, v. 6, n. 2, jul./dez., p. 529-547, Porto Alegre, 2020.
Um tema recorrente da filosofia moral contemporânea é a acentuação da pluralidade e da diferença, diferentemente do que ocorreu na modernidade iluminista, onde se celebrou a igualdade e a universalidade. O confronto estabelecido, com alguma frequência, depara-se com uma questão igualmente desafiadora: o sofrimento da invisibilidade do sujeito moral, quando sua concepção da felicidade fracassa socialmente. Ser invisível, como Fabiano se sentia perante o soldado amarelo, personagens e metáforas que Graciliano Ramos utiliza para denunciar a falta de políticas inclusivas e de promoção da dignidade do homem do sertão, significa não obter o reconhecimento, como pessoa, do que é e do que acredita ser uma vida excelente. O texto aqui nos desafia a refletir sobre isto, sendo seu principal objetivo encontrar, em tempos de multiculturalismo, novas perspectivas para pensar os Direitos Humanos. Faremos uma revisão bibliográfica, primeiro dialogando com Sen e Nussbaum (dois autores que têm em comum uma certa crítica ao contratualismo moderno e à sua concepção da justiça) sobre a capabilities approach, depois buscando em Vidas secas uma inspiração privilegiada para esta reflexão; a metodologia privilegiará, assim, uma análise bibliográfica e interdisciplinar do Direito, Literatura e Filosofia, sugerindo igualmente uma nova perspectiva de aprendizagem jurídica.
In: MONTEIRO, António Pinto; AMARAL, Francisco; LINHARES, J. M. Aroso; MARCOS, Rui de Figueiredo. Jurisprudencialismo e idiomas vizinhos: diálogos com Castanheira Neves. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2020, p. 339-370.
A crise de sentido experimentada pelo pensamento jurídico após as duas grandes guerras, crise essa provocada pelo abalo das certezas oferecidas pelo normativismo kelseniano, dentre outras coisas desencadeou um forte movimento de reabilitação da filosofia prática. O ponto de partida foi o regresso à autonomização da praxis em relação ao pensamento teorético, feita por Aristóteles e que mais tarde, na iurisprudentia romana, levou à secularização do próprio Direito, relativamente a outras dimensões da phronesis (ética, economia, política, religião, etc); privilegiou-se desde logo a reflexão sobre o sentido do direito e a especificidade de suas respostas ao problema prático de nossa vida em comum, afastando-se daquele reducionismo anterior: o que reservou aos juristas uma função contemplativa tal e qual, diante de um cosmo normativo onde as referências normativas, individualmente consideradas, vinham compreendidas como entidades autossubsistentes e descoladas da realidade social. O trabalho a seguir procurou situar o jurisprudencialismo de Castanheira Neves nesse contexto de renovação. O resultado que aqui se chegou foi o seguinte: os pressupostos básicos da filosofia prática subsistem no pensamento do autor, como aquele que distingue o pensamento dialético (assumido explicitamente) do pensamento apodítico; todavia, apesar dessa interlocução, a proposta (crítica) que defende é de fato inconfundível com aquelas oferecidas pela tópico-retórica, pela hermenêutica e pelas teorias da argumentação.
In: NÓVOA, Jorge; FRESSATO, Soleni Biscouto. Soou o alarme: a crise do capitalismo para além da
pandemia. São Paulo: Perspectiva, 2020, p. 333-351.
A pandemia do novo coronavírus deu ensejo à edição das Medidas Provisórias nº 927/2020 e nº 936/2020, dentre outras normas legais, responsáveis por introduzir um conjunto de mudanças transitórias na legislação vigente. O objetivo do presente texto, produzido a seis mãos com os professores Pedro Linode Carvalho Júnior e Murilo Carvalho Sampaio Oliveira, será o de refletir acerca das alterações efetuadas e, especialmente, avaliar em que medida os instrumentos concebidos estão em sintonia com as disposições constitucionais e convenções internacionais ratificadas pelo país, uma vez que, como haver-se-á de mostrar, algumas de suas diretrizes não apenas entraram em rota de colisão com estes regramentos, como também ficaram muito aquém do que legitimamente se poderia esperar do sistema tutelar do trabalho, além de representarem um risco para a normatividade juslaboralista.
In: CASALI BAHIA, Saulo José; MARTINS, Carlos Eduardo Behrmann Rátis; PAMPLONA,
Rodolfo. Direitos e deveres fundamentais em tempos de coronavírus. São Paulo: IASP, 2020, p. 125-149.
v. 2.
As recomendações de distanciamento social, em razão da pandemia de coronavírus, reabilitaram e até introduziram discussões novas em todas as áreas do conhecimento científico, inclusive a do Direito. Sabe-se que a Constituição Brasileira, como em geral todas as constituições, assegura o direito do cidadão e o dever do Estado de prover a saúde das pessoas; dadas as inúmeras controvérsias que o assunto tem provocado, no limite delas até cruzadas anticientíficas, uma questão precisa ser colocada: há algum fundamento que se ponha antes da vontade do legislador de proteger ou não o direito à saúde, impedindo que ele revogue, por capricho ou qualquer outro motivo, esse direito fundamental universalmente consagrado? O texto a seguir, escrito com o membro de meu grupo de pesquisa Welliton da Silva Santos, trata desta questão, tomando por hipótese um mandamento moral que está na origem da civilização ocidental: o dever de amizade e cuidado com a pessoa em momentos de infortúnio. A metodologia adotada será a análise interdisciplinar entre Direito e Literatura (Law as Literature), discutível mas atual, no caso aqui recorrendo ao Filoctetes de Sófocles, uma tragédia grega que denuncia nossa vulnerabilidade frente ao poder arbitrário dos agentes naturais, assim como põe às claras uma questão ética seriamente discutida por Platão e Aristóteles: o que podemos fazer para evitar ou pelo menos reduzir o efeito do Azar e tornar exitosos nossos projetos de felicidade, num mundo que não controlamos inteiramente e cujo futuro não podemos de todo prever? O resultado esperado será um melhor esclarecimento da possível aproximação entre o acontecimento trágico descrito na obra e as narrativas da pandemia, já que dúvidas existem quanto a ser de fato inevitável o que estamos passando, uma resposta importante à orientação dos juristas na avaliação de ações relacionadas com este problema.
Revista Ruptura, ISSN 1688-8162, ano 8, n. 9, jul./dez., p. 159-176, Montevideo, 2019.
La posibilidad de un método específico del derecho, capaz de orientar el razionamento de los juristas y evitar la irracionalidad de las decisiones, fue suscitada en el comienzo del siglo XIX; antes de esto la pregunta de los filósofos acerca del processo deliberativo del juez, no tenía la pretensión científica que passo a tener, por ejemplo, después de la escuela de la exégesis, de la escuela histórica y de la jurisprudencia de los conceptos. El debate actual sobre esta cuestión, ha generado múltiples respuestas, algunas de ellas inclusive, admitiendo explicitamente la insuficiencia del derecho en la solución de controversias proprias de nuestra vida común. El trabajo a seguir explorará una dimensión importante de este abordaje interdisciplinario, esto es, aquella que considera muy plausible uma aproximación del Derecho a la Literatura. El abordaje utilizado, de natureza comparativa, confronto los pensamentos de A. Castanheira Neves y de Martha C. Nussbaum. Fue possible percibir, al final, que mientrasla autora américa defende el entusiasmo esa interfase entre los dos campos de saber, sustentando que los juristas tienen mucho que aprender com los poetas, el autor português resiste fuertemente esa propuesta: se por un lado el distingue la racionalidad jurídica de la racionalidad literaria, por outro también adverte los riesgos de instrumentación del derecho, no apenas por la práctica literaria, pero también por todas las respuestas funcionalistas que han surgido de esa intensa discusión académica.
In: TRINDADE, Claudia Moraes et alii. Segurança Pública: Ética e Cidadania. Curitiba: CRV, 2019,
p. 139-153.
O estudo a seguir reputa-se importante em nosso tempo, marcado pelo pluralismo moral e a exigir, primeiro, uma nova compreensão da vida ética, depois, uma recompreensão das instituições e da noção de segurança. Deste modo, seu objetivo é investigar a possibilidade de uma ética fundada no cuidado, sua relação com a concepção original do ethos formulada pelo pensamento grego, as dimensões que implica e a universalidade que sugere. A metodologia utilizada constituiu basicamente da análise bibliográfica de textos consagrados, sem prejuízo de referências a alguns dados empíricos coletados e que despertam a atenção para a urgência de repensar nossa experiência moral. A conclusão aponta para a plausibilidade de uma nova fundamentação ética, capaz de iluminar o funcionamento das instituições jurídicas e políticas, dentro daquilo que pluralismo moral de nosso tempo sugere.
In: OLIVEIRA, Antonella Carvalho de. Gerenciamento Costeiro e Gestão Portuária. Ponta Grossa:
Atena Editora, 2018, p. 1-14.
A Resolução CONAMA 303/2002 tem um importante papel na proteção das dunas e das restingas: ela amplia a incidência do instituto da área de preservação permanente para uma faixa de restinga de 300m a contar da linha de preamar máxima e também para as dunas móveis. Contudo, desde a sua edição, alguns doutrinadores têm questionado a legalidade da Resolução; e a partir da edição do novo Código Florestal (Lei 12.651/2012), também a sua vigência. Com base em pesquisa bibliográfica, análise jurídico-doutrinária e pesquisa jurisprudencial, esse trabalho, escrito com Júnia Kacenelenbogen Guimarães e Paulo James de Oliveira, analisa criticamente a questão da validade da Resolução. No que diz respeito ao alegado excesso regulamentar da Resolução, concluísse que ela foi editada em conformidade tanto com as atribuições do CONAMA previstas na Lei 6.838/1981, como com dispositivos do Código Florestal. Além disso, os institutos questionados gozam de validade em seus três níveis: vigência (que diz respeito a sua existência no ordenamento jurídico), eficácia (que diz respeito ao reconhecimento da norma) e valor (que se refere às aspirações sociais e de justiça da sociedade). No que diz respeito à vigência, a ausência de modificações no Código Florestal de 2012 em relação ao anterior, combinado com ausência de revogação da Resolução conduz ao entendimento que a mesma continua vigente. Também está presente o reconhecimento social da norma, como demonstra a pesquisa jurisprudencial realizada. Por fim, o Código Florestal tem suas finalidades sociais plenamente atendidas pela Resolução. Dessa forma, conclui-se pela validade da Resolução, o que tem muito a contribuir para a proteção dos ecossistemas estudados.
Revista da Faculdade de Direito da UFG, ISSN 0101-7187, v. 42, n. 2, mai./ago., p. 159-176, Goiânia,
2018.
Frequentemente dada como evidente pela dogmática processual, a distinção entre justiça e vingança já era tema controvertido no teatro grego: na tragédia, a narrativa laudatória de Ésquilo, sobre o julgamento de Orestes, confronta-se com outra menos elogiosa, qual seja, a de Eurípides sobre a vingança de Hécuba contra o hóspede infiel. Em que pese o contributo civilizatório de Atena pela instituição do tribunal, a crônica judiciária não dá somente boas notícias sobre a obediência à tercialidade do direito; assim, resta em aberto a questão de saber se o selo do Estado por si mesmo garante que a decisão seja conforme a justiça, assim como se a inexistência desse selo nos expõe à fúria das Erínias e à sua sede de vingança. O objetivo deste trabalho será experimentar, no limite, o continuum entre essas duas práticas na literatura oral do sertão, nomeadamente no cordel e na música caipira, onde supostamente a legitimidade da decisão não está no procedimento adotado (racionalidade processual), mas na conformidade com o ethos fundante de uma específica forma de vida (racionalidade material). A fim de levar a cabo este estudo, explorarei as narrativas fundadoras da nossa tradição e que permitem conhecer como a justiça (δίκη, dike) desde cedo se diferencia da vingança, mas também estudarei alguns relatos orais do sertão que permitem confrontar sua concepção do mundo prático com o legado cultural dos helênicos. Espero com isto despertar a atenção para a fragilidade do critério diferenciador que identifica (acriticamente) a justiça com o que é feito pelo Estado e a vingança com aquilo que escapa ao seu monopólio da jurisdição.
Revista do Programa de Pós-Graduação da UFBA, ISSN 1516-6058, v. 28, n. 2, jul./dez., p. 121-146,
Salvador, 2018.
A discussão sobre o problema dos direitos dos animais se tornou, na atualidade do pensamento jurídico, uma das mais importantes; nesse debate tomam parte tanto os que veem com desconfiança a pretensão de um estatuto jurídico aos denominados animais não humanos, como os que adotam uma postura mais apologética, sob diferentes perspectivas teóricas. O objetivo aqui é analisar o fundamento adotado por Martha C. Nussbaum, aparentemente o mesmo de outros apelos de justiça que tem feito: o da fragilidade da vida humana, partilhada com os outros animais, a exigir um catálogo de princípios que orientem nossas ações e reduzam nossa exposição ao arbítrio da Fortuna. Num diálogo estimulante com o contratualismo e com o utilitarismo, defende sua própria ideia: a da capabilities approach. A metodologia adotada é a análise comparativa de sua Frontiers of Justice com outros textos fundantes de sua filosofia moral. Espera-se, deste modo, contribuir com a discussão, expondo esse vigoroso pensamento da autora.
Revista Diké, ISSN 2178-3519, v. XVII, sem. 1, p. 45-55, Itabirito, 2018.
“O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever”. Esta afirmação foi feita por José Saramago, escritor português, no discurso proferido na Academia Sueca ao receber o Prêmio Nobel de Literatura em 1998, referindo-se ao seu avô, um camponês com quem viveu na sua infância. O presente artigo, publicado originalmente na Revista da Academia de Letras da Bahia, é a transcrição literal de uma palestra feita para os imortais baianos, a convite do então Presidente da instituição à época e hoje saudoso Prof. Edivaldo Boaventura. Suscita-se a questão de saber se oralidade sertaneja, nos diferentes testemunhos do cordel, dos causos, música caipira, etc., é capaz de instituir um verdadeiro modelo de literatura, discutindo ainda a visão de mundo e da felicidade que ecoa desse cosmo moral ainda pouco explorado academicamente.
Editora UFBA – SEAD, ISBN: 978-85- 8292-095- 4, Salvador, 2016, 88p.
Quando ainda no séc. V a.C e no período glorioso do teatro grego, a Orestéia de Ésquilo e a Hécuba de Eurípedes foram encenadas, estava aberta na tradição ocidental a discussão sobre os limites da justiça privada e o papel do Estado em promover a segurança do cidadão. Mas isto só foi possível mesmo porque Platão, igualmente naquele século, suscitou pela primeira vez, no Protágoras, a possibilidade de superarmos a arbitrariedade e conveniência dos deuses, criando um modelo humano de racionalidade pública. Vinte e cinco séculos depois, assistindo confortavelmente na tela os filmes Abril Despedaçado e Cidade de Deus, parece que ainda não avançamos muito nesse ponto (ethos), embora em matéria de tecnologia (“techne“) a civilização já realizou muitos prodígios.
A obra aqui é um manual de estudos da disciplina Estado e Direito, Curso de Graduação em Segurança Pública da UFBA; nele se acompanha não apenas, quanto ao tema, as transformações históricas que ocorreram no campo das ideias jurídicas e políticas (incluindo as teorias sobre a origem do Estado e do Direito e a discussão sobre o triunfo da ideia iluminista da segurança pública como um pacto social): o livro também discute o avanço proporcionado pelas diversas gerações de direitos humanos e o desafio atual de rediscutir o liberalismo e o contratualismo, sugerindo a retomada da ideia clássica do Estado como promotor das capacidades humanas (capabilities) e do desenvolvimento das pessoas, para com isto realizar nosso “acerto de contas” com a demanda internacional por justiça. O livro, enfim, desafia a superar a já embotada concepção de segurança pública como um artefato do Estado para reprimir a natural (e às vezes desastrosa em face do poder amoral da Fortuna) vocação humana para o exercício da liberdade.
Revista Erga Omnes – Escola dos Magistrados da Bahia, ISSN 1984-5618, v. 12, n. 1, p. 156-155, Salvador, 2016.
Neste trabalho, discute-se a proposta de um ethos subjacente entre todos os humanos, radicado no “Cuidado”. Nesse sentido, convocam dois autores e duas obras da Antiguidade Clássica, de um lado a conhecida tragédia Filoctetes, de Sófocles, do outro o mito da criação atribuído a Higino, um escravo que serviu a Júlio César na Roma Antiga. À luz dessas duas peças literárias e dos seus valores imanentes, fundamentam a recém designada “Ética do Cuidado”, enquanto paradigma ontológico e destino universal, na proteção da pessoa humana.
Revista Jurídica da Universidade de Santiago, ISSN 2309-3595, Ano I, nº 1, jan./dez., p. 57-69, Santiago, 2013
Uma das coisas positivas que o pensamento comunitarista nos oferece, no debate com o liberalismo filosófico, é o reconhecimento do papel que a tradição exerce sobre as ideias filosóficas de todo autor; toda racionalidade proposta, diz-se, nada mais é do que uma resposta aos desafios de uma comunidade, de vida e de pensamento, no sentido de realizar seu projeto de felicidade. O texto aqui sobre a teoria da lei de Santo Tomás nos ajuda a compreender os esforços do autor para integrar a razão e a fé no início do séc. XII, quando o direito romano dava sinais de recuperação e o racionalismo aristotélico ressurgia na universidade em construção, mas ainda era um mundo hierarquizado sob o princípio da autoridade divina. A teoria tripartítide da lei, defendida pelo nosso Santo Doutor, reconhece a superioridade da lei eterna e a irrevogabilidade da lei natural na orientação dos projetos humanos; todavia e diferentemente de Santo Agostinho, testemunha no séc. V do pessimismo que se abate sobre a civilização ocidental, confere à lei positiva um papel proeminente na realização da justiça e do bem comum humano, ao passo que afasta qualquer autoridade da Igreja para instituir e interpretar essa lei.
Editora Juspodivm, ISBN 978-85-62756-25-2, p. 211-230, Salvador, 2012, 259p.
Qual o sentido do direito na atualidade do pensamento jurídico? Será ainda possível/necessária uma experiência jurídica enquanto tal? Serão ainda os juristas indispensáveis ou pertencem à realidade de uma outra época? Estas são algumas das interrogações que com originalidade/radicalidade A. Castanheira Neves tem colocado, todas elas discutidas no Seminário Internacional de Filosofia do Direito de Ouro Preto ocorrido em 2008 e que reuniu autores brasileiros e portugueses interessados na sua obra. O livro, coordenado pelos professores Antonio Sá da Silva e Nuno M. M. S. Coelho, traz neste capítulo específico a contribuição do primeiro ao debate, focando o problema do método a ser empregado pelos juízes na solução da controvérsia jurídica, especificamente sobre a possibilidade ou não dos juristas poderem aprender alguma coisa com os poetas; de um lado a autora americana respondendo positivamente, e do outro o autor português recusando essa aplicação. Cada um deles tem sérias razões para defender sua posição.
Editora Rideel/UNIPAC, ISBN 978-85-339-2230-3, p. 89-109, São Paulo, 2012, 240p.
Um poeta grego de nome Árquias foi acusado no séc. I a. C de falsificar documentação para adquirir a cidadania romana. A atuação de CÍCERO no processo como seu advogado não apenas lhe rendeu a absolvição, tendo resultado ainda na responsabilização do Estado pela promoção das letras, da cultura e da poesia. A CF/88 em seu art. 215 nos assegura o pleno exercício dos direitos culturais, certamente os de expressão, criação e fruição dos bens culturais, sendo imperioso reconhecer que ali está implícito o direito à literatura. Por outro lado, o art. 205 do diploma constitucional estabelece, entre outras coisas, que é papel da educação garantir o pleno desenvolvimento da pessoa. Suspeita-se que haja um fundamento comum entre os dispositivos constitucionais da educação e da literatura, qual seja, o de que ambas nos humanizam, tal como CÍCERO e a educação liberal clássica acreditavam.
Editora LTr, ISBN 978-85-361-1655-6, p. 107-111, São Paulo, 2011, 421p.
O verbete analisa historicamente o conceito de Direito Alternativo naquele sentido que passou a ser empregado no Brasil no final do século XX, para tal remetendo às origens italianas de l’uso alternativo del diritto e espanholas de jueces para la democracia, assim como para as particularidades encontradas no Brasil – na medida em que o alternativismo brasileiro avança para além da crítica ao direito estatal e reconhece um verdadeiro pluralismo jurídico – e para as críticas possíveis que essa teoria tem de suportar.
Revista da Academia de Letras da Bahia, ISSN 1518-1, nº 50, p. 125-140, Salvador, 2011.
«O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever». Essas foram as palavras introdutórias do discurso proferido pelo Nobel de literatura de 1998, o escritor português José Saramago, referindo-se ao seu avô, um camponês com quem disse ter aprendido as coisas mais importantes de sua vida. O texto publicado diz respeito exatamente àquele da palestra aos integrantes da Academia de Letras da Bahia em 05/08/2010, atendendo ao convite de seu então presidente o Prof. Edivaldo Boaventura. O texto não apenas sugerirá que a oralidade é capaz de instituir um verdadeiro modelo de literatura, mas no contexto em que se situa – o da cultura do sertão –, identifica uma certa sabedoria e uma certa visão de mundo naquelas narrativas trágicas que se encontram na oralidade sertaneja. A consciência da vulnerabilidade e de um Destino que lhe surpreende é uma desculpa para a acomodação ou um desafio para superar a adversidade que o sertanejo tem diante de si? O autor tem uma visão otimista da tragédia, e nos textos da música caipira e dos cordéis especialmente, mostra que o homem do sertão procurará, na ação e na cultura, o alívio para o sofrimento, os instrumentos que ao fim de tudo vão amenizar aqueles efeitos que a Sorte lhe impõe.
Editora Juruá, ISBN 978-85-362-2916-4, p. 189-202, Curitiba, 2010, 626p.
Trata-se de um redimensionamento, agora numa obra coletiva, de um trabalho anteriormente publicado com o psiquiatra e pesquisador português José António Zagalo Cardoso, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. Sugere que a vida ética é incompatível com o desejo de perfeição humana às vezes presente no avanço da medicina, mas ao contrário de recriminar tais experiências, destaca a sua imperiosa necessidade na implementação da felicidade. A responsabilidade dos pesquisadores é aqui protagonizada, além do reconhecimento da pluralidade de valores em face da noção de liberdade humana inalienável: é impossível consentir a existência de uma autoridade moral capaz ditar padrões imbatíveis de conduta ética, sendo necessário, portanto, respeitar as diferentes concepções da vida boa humana, especialmente quando as consequências de suas decisões digam respeito apenas a quem as toma.
In: NOGUEIRA, Bernardo G. B.; SILVA, Ramon Mapa da. Ecos do trágico: sobre a tragédia grega e a origem dos direitos humanos. Ouro Preto: Real Ouro Preto, 2010.
A tragédia grega é origem, como querem alguns autores, do que hoje denominamos direitos humanos? Trata-se aqui de uma singela apresentação do livro de dois pesquisadores mineiros, Bernardo Nogueira e Ramon Mapa, dedicado a responder esta questão. Não estou de acordo com essa vinculação, já que no pensamento pré-moderno o que sobressai é a primazia da comunidade sobre os indivíduos, não se podendo falar em autonomia do sujeito como se veio a falar com a modernidade iluminista; entretanto, se não vejo nenhuma correlação entre a peça Antígona, de Sófocles, com o discurso da dignidade da pessoa humana que encontramos na Fundamentação da metafísica dos costumes de Kant, não ignoro que em obras como o Filoctetes, por exemplo, há uma explícita denúncia da coisificação do herói, daí a imensa controvérsia que existe nesse debate e para a qual o livro aqui abre ótimas janelas de reflexão.
Editora Juspodivm/Faculdade Baiana de Direito, ISBN 978-85-62756-06-1, Salvador, 2010, 160p.
A obra, escrita em parceria com o Prof. Nuno Coelho, faz um relato minucioso das origens e dos fundamentos da educação jurídica na velha Roma, na universidade medieval, na universidade portuguesa e no Brasil, tudo para depois remeter o leitor às questões que afligem os profissionais dessa educação no nosso tempo. Diagnostica problemas de ordem política e acadêmica, sugerindo algumas intervenções administrativas, pedagógicas e acadêmicas, sempre invocando os postulados éticos necessários para uma excelência na qualidade da educação e dos serviços para os quais os profissionais do direito são convocados.
Revista Portuguesa de Filosofia, ISSN 0870-5283, v. 66, fasc. 1, p. 81-88, Braga, 2010.
Os autores refletem aqui sobre a proposta do ethos subjacente à relação entre todos os humanos radicado no «Cuidado». Nesse sentido, convocam dois autores e duas obras da Antiguidade Clássica, a célebre Fábula/Mito atribuída a Higino e a conhecida tragédia Filoctetes de Sófocles. À luz dessas duas peças literárias e dos seus valores imanentes, fundamentam a recém-designada «Ética do Cuidado», enquanto paradigma ontológico e destino universal, na proteção da pessoa humana.
Revista da Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete, ISSN 1679-8139, v. 2, p. 311-316, Conselheiro Lafaiete, 2008.
O texto é uma publicação, na íntegra, de uma palestra de abertura de um seminário sobre a proteção legal das pessoas necessitadas de cuidados especiais, realizado na Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete. É, portanto, um ensaio de direito e literatura (law and literature) na perspectiva da aprendizagem do direito, e mais que isto, um apelo à «ética do cuidado» e uma advertência sobre a dimensão trágica do homem.
Mens Legis, ano II, nº 6, p. 30-31, Belo Horizonte, março/maio 2008.
A matéria dá notícia de algumas incertezas que pairam sobre o ensino do direito, seja no Brasil, seja no mundo. Depois de oferecer alguns dados históricos sobre a criação e evolução dos cursos jurídicos, chama a atenção para algumas responsabilidades ético-planetários que precisam ser assumidas pelos agentes e pelos projetos de educação jurídica, a saber: a responsabilidade com a Comunidade, com a Pessoa e com a Natureza. Termina com um apelo à interdisciplinaridade, além da aposta numa qualidade técnica e na excelência ética da formação dos nossos juristas.
Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás, ISSN 0101-7187, v. 32, p. 211-215, Goiânia, 2008.
O trabalho propõe uma reflexão interdisciplinar sobre a identidade planetária do homem e sobre os princípios formadores dessa sua identidade, tudo como forma de continuar/renovar aquela discussão estóica sobre uma autêntica fraternidade entre os povos. Aponta três responsabilidades – com a Comunidade, com a Pessoa e com a Natureza – basilares desse projeto de educação e enaltece a experiência de mobilização dos movimentos e organizações sociais do nosso tempo.
Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás, ISSN 0101-7187, v. 32, p. 261-277, Goiânia, 2008.
O artigo, publicado em parceria com o psiquiatra e pesquisador português José António Zagalo Cardoso, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, discute alguns dos dilemas bioéticos hoje postos à genética médica: diagnóstico pré-natal, rastreio genético e diagnóstico pré-sintomático, etc. Invoca a autonomia decisional dos pacientes como princípio norteador de todos os demais, além de dialogar com as principais orientações bioéticas para a definição das políticas de saúde e para a atividade dos seus profissionais.
Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia, ISSN 1516-6058, v. 1, p. 315-322, Salvador, 2008.
O artigo é uma defesa sustentada da importância de se introduzir a disciplina Retórica Jurídica nos currículos escolares, mas não uma retórica naquele sentido que lhe deu Platão e pelo qual se costuma compreender a atividade dos juristas, mas naquela dimensão prático-prudencial e ético-comunitária que Aristóteles nos legou. Comenta as críticas do estagirita à falta de escrúpulos de Ulisses retratadas no Filoctetes de Sófocles. Com isto, o domínio das diferentes estratégias de argumentação – o logos, o ethos e o pathos – propostas por Aristóteles é considerado importante não apenas para a performance profissional e para a solução de uma demanda, mas também uma condição necessária ao fiel cumprimento daquela responsabilidade que os juristas têm para com a comunidade.
In: COELHO, Nuno M. M. Santos; MELLO, Cleyson de Moraes. O fundamento do direito: estudos em homenagem ao Professor Sebastião Trogo. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2008, p. 333-348.
Resultado da autonomização da praxis jurídica em relação a outras dimensões da praxis humana (a ética, a política, a economia, etc.), holisticamente já secularizadas por Aristóteles em relação à poesia e à ciência, o direito surgiu na jurisprudência clássica como uma resposta inconfundível ao problema de nossa vida em comum (Fritz Schulz, Luigi Lombardi, A. Castanheira Neves); ocorre que no nosso tempo, marcado por uma pluralidade incontornável e por vezes irreconciliáveis de respostas a esse mesmo problema (J. M. Aroso Linhares), talvez a experiência jurídica, como admite Castanheira Neves, tenha se tornado apenas uma alternativa entre outras a ser que têm sido defendidas como e por equívoco chamadas de jurídicas (análise econômica do direito, engrenharia social, funcionalismo político, etc.) . Neste trabalho, publicado junto com Nuno Coelho, discute-se o conceito de direito no pensamento do jurista-filósofo português, contribuindo assim para uma melhor compreensão do autor no mesmo espaço de discussão com outros grandes pensadores.
Revista da Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete, ISSN 1679-8139, v. 3, p. 201-214, Conselheiro Lafaiete, 2007.
Revista do Curso de Direito da FEAD, ISSN 1809-4333, v. 1, p. 31-88, Belo Horizonte, 2006.
O trabalho resulta de uma monografia realizada em 2002 como requisito de aprovação na disciplina História do Direito, no mestrado em Ciências Jurídico-Filosóficas na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Um levantamento bibliográfico muito rico permite não somente estudar as origens/fundamentos da educação e da educação jurídica, mas também dar-se conta dos principais momentos da educação jurídica desde a universidade medieval até as reformas pombalinas, e dali para frente comparar sistematicamente o ensino jurídico praticado no Brasil e em Portugal até o séc. XX.
O texto é um estudo mais abrangente acerca da concepção de homem planetário e das exigências educacionais da sua formação. Estuda brevemente as principais idéias cosmopolitas da história do Ocidente, assim como os fundamentos da educação nos principais períodos da nossa história, a saber, os modelos clássico, escolástico, liberal e tecnológico. A partir disto, discute a idéia de responsabilidade ética e de uma ética da mundialidade, terminando por enumerar e justificar quatro princípios basilares da educação que poderiam ajudar na construção de uma consciência jurídica com o alcance planetário que o nosso tempo tem exigido.
Revista da Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete, ISSN 1679-8139, v. 1, p. 129-140, Conselheiro Lafaiete, 2004.
A publicação atendeu a um pedido da Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete, no intuito de divulgar as inquietações científicas dos seus professores na ocasião. Trata-se do projeto de pesquisa discutido e aprovado pelo Conselho Científico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e que resultou no ingresso no doutorado em Ciências Jurídico-Filosóficas, prometendo investigar a formação da consciência jurídica do homem planetário a partir do testemunho exemplar e dos discursos narrativos dos poetas do sertão brasileiro.
Revista da Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete, ISSN 1679-8139, v. 1, p. 56-61, Conselheiro Lafaiete, 2003.
O texto é uma apertada síntese sobre a história da educação jurídica, aludindo às primeiras experiências jurídico-pedagógicas tanto em Roma como em Atenas, à estrutura dos cursos e método utilizado na universidade medieval, à crise da escolástica e consequentes inovações metodológicas, à origem dos estudos jurídicos no Brasil e à exigência atual de repensar o modelo/compromissos da formação dos juristas.
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